Pensando ConCulture#4

O prmeiro capítulo de Convergence Culture começa a dar uma idéia melhor do terreno em que estamos pisando. Jenkins é um fã confesso de cultura pop e assim que se livra da necessidade de estabelecer fundamentos para suas teses, muda o tom da escrita e conta o case de spoling do Survivor quase como uma aventura.

O reality show americano viveu em sua comunidade de fãs mais ferrenhos um dos mais interessantes fenômenos da cultura digital quando um membro de boards de discussão online virou celebridade ao mexer com as regras da comunidade “spoiler”.

O “spoling”, segundo Jenkins, surgiu de diferenças geográficas. Por uma questão de fuso horário, os telespectadores da Costa Leste americana assistiam aos seriados de grandes redes três horas antes do pessoal da Costa Oeste. Séries não vendidas a grandes redes mas a estações de TV individualmente  (syndicated series) iam ao ar em dias diferentes da semana em diferentes mercados. Séries americanas eram exibidas com um atraso de seis meses ou mais em outros países. Uma vez que esse povo todo não se comunicava em tempo real, cada grupo tinha uma experiência direta com cada episódio. Mas no momento em que os fãs se encontraram na internet, todo esse esquema foi por água abaixo.

Foi aí que os telespectadores que viam episódios em primeira mão começaram a postar o conteúdo dos episódios online. Outros desavisados acabavam lendo esses posts, e tendo sua experiência estragada (spoiled). A saída (uma vez que nem todo mundo queria estragar a diversão dos outros) é que esses posts com conteúdo de episódios futuros avisassem isso de antemão, trazendo a palavra SPOILER no título. Nascia aí uma nova subcultura. Um novo jogo que extendia a experiência do conteúdo na TV, que também transformava o prazer de ver uma trama se desenrolar em uma mistura de jogo de detetive com corrida armamentista.

Jenkins descreve os spoilers de Survivor como uma espécie de participantes hardcore da audiência, gente que formula teorias sobre o desenrolar da série a partir de investigações grupais envolvendo fotografias de satélite, garimpagem de informações com membros da produção, estudo quadro a quadro de cenas e por aí vai. Obviamente, a comunidade spoiler corresponde a uma fatia muito pequena da vultosa audiência do programa, mas sua força de influência é considerável. O produtor de Survivor precisou entrar em uma briga de gato e rato, semeando desinformação pra desfazer descobertas dos spoilers. E a grande mídia, assim que descobriu essa inesgotável fonte de assunto, passou a beber dela para alimentar os telespectadores mainstream com informações de primeira mão.

O thriller de Jenkins começa apresentando ChillOne, um membro anônimo de um dos discussion boards de Survivor que acidentalmente esbarrou na produção de uma das temporadas da série em um hotel no Amazonas. Circulando entre a equipe de Survivor, ChillOne se dedicou a postar uma série de dicas na comunidade online, “estragando” o serviço investigativo de outros participantes do board.

A comunidade, até então com regras e estratos sociais claros, teve seus funcionamento bagunçado. Havia gente feliz porque ChillOne quebrou a barreira que existia entre as castas de “spoilers insiders” e “spoilers espectadores”. E havia gente totalmente de cara porque ele estava revelando pistas sem oferecer o friozinho na barriga que a investigação coletiva permitia.

Jenkins usa a trajetória de ChillOne ao longo da temporada de Survivor: Amazon pra descobrir “como as comunidades reagem a uma mudança na forma convencional de processar e valorar o conhecimento. É nos momentos de crise, conflito e controvérsia que as comunidades são forçadas a articular os principios que as guiam.” E pede ajuda a Pierre Levy, um dos principais pensadores da rede, para levar o raciocínio adiante.

“O que não sabemos por nós mesmos podemos saber coletivamente” diz o intelectual francês. A necessidade de saber mais começou, através da web, a andar junto com a necessidade de associações voluntárias, temporárias e táticas. Esses três itens oferecem uma visão clara para qualquer pessoa que deseje saber como se portar no ambiente digital quando o assunto é extensão de conteúdo. ChillOne serviu de eixo para que a comunidade de spoilers de Survivor fizesse uma espécie de terapia, descobrindo que seus limites e seu funcionamento não respondiam mais às regras convencionais de relações sociais.

A mudança orgância trazida por ChillOne só corroboraram a idéias de que, em primeiro lugar, as aglutinações sempre se darão por vontade única e exclusiva dos recepctores da mensagem (que precisa ser seduzido com conteúdo interessante). Em segundo lugar, elas serão temporárias devido ao terceiro aspecto: o lado tático. Muitas comunidades surgem por necessidades objetivas e assim que essas necessidades são resolvidas, a comunidade se desfaz, migra ou, se permanecer existindo, muda completamente de composição. O modus operandi de ChillOne perverteu a organização prévia interna da comunidade bem como a sua relação com o mundo offline na interação com os produtores da série. Enfim, o cara mostrou que não havia um poder centralizado e absoluto, mas uma sofisticada inte-relação de forças. Quem não souber entendê-las, créu.

Ao investigar as motivações e funcionamento da inteligência coletiva dos spoiler, Jenkins parece delinar a nova forma de funcionamento da indústria do entretenimento. Nessa nova estrutura, uma pequena parcela da audiência se comporta de forma extremamente ativa, interagindo com o conteúdo e influenciando os produtores, obrigando-os a mexer em suas estratégias (e obviamente em orçamentos) para se adequar a essa realidade. Note que não estamos falando de uma desgastada utopia digital formada por uma audiência 100% participativa. O mito do consumidor pró-ativo esbarra na preguiça da maior parte da população, que prefere consumir passivamente (mesmo os spoilers são ativos em um âmbito mas provavelmente passivos em outro). No entanto, a pequena parcela que molda e produz novos conteúdos é influente a ponto de poder comprometer uma série de milhões de dólares de uma das maiores redes de TV dos Estados Unidos – e isso é algo novo (não pra mim e pra você, mas enfim…).

Dois outros mitos vão sendo corroídos linha após linha. O primeiro, achar que isso tudo é um problema para a indúsitra do entretenimento, quando é uma solução. O próximo capítulo, Buying Into American Idol, vai mostrar como uma outra série de TV se valeu da pró-atividade de seus fãs para incrementar a experiência do seu conteúdo.

E o outro mito será descontruído mais adiante: o de que esses novos paradigmas participativos se resringem à esfera do entretenimento. Segundo Jenkins (e eu concordo totalmente), mesmo sem sair dessa área, isso é uma nova forma de atuação política e social.

(continua, provavelmente na semana que vem, pq ainda tenho que ler o terceiro capítulo)