O Círculo: talvez o livro mais importante de 2014

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O ano já se encaminha para o final, mas ainda dá tempo: O Círculo, romance de Dave Eggers que narra a ascensão de uma funcionária exemplar na empresa de tecnologia mais criativa do mundo, pode ser lido sem pressa em poucos dias, digamos, entre o Natal e o Ano Novo. Não que sua atualidade tenha data de validade tão curta ( o livro é de 2013!), mas defendo que este livro, mesmo com seus pequenos defeitos literários, talvez seja um importante marco na cultura contemporânea. O que Eggers fez não é pouco – ele escreveu a fábula definitiva que encerra um período de ingenuidade sobre o que o universo simbólico do Vale do Silício tem a oferecer para o mundo. Quanto antes passarmos isso a limpo, melhor.

A história de Mae Holland, personagem principal do romance, é facilmente reconhecível mesmo por quem não acompanha o noticiário especializado de tecnologia. Recém formada e enfiada em uma repartição pública do interior da Califórnia, Mae é resgatada de sua vidinha ordinária por uma ex-colega de faculdade que lhe devia alguma fidelidade. A dívida é paga com juros. Annie, a amiga socialmente bem posicionada de Mae, faz parte da elite do Círculo, o Google do universo criado por Eggers, que revolucionou a vida online unificando todos os perfis e identidades virtuais no TruYou, “uma conta, uma identidade, uma senha, um sistema de pagamento por pessoa” no qual se usa “seu nome verdadeiro, que está vinculado a seus cartões de crédito, seu banco”, ou seja, “um botão para o resto da sua vida online”. A sede do Círculo, situado em uma cidade fictícia próxima a San Francisco, é tudo aquilo que Mae – e boa parte dos jovens hoje – quer de um ambiente de trabalho: uma Shangri-la moderna, com calçadas pavimentadas com pedras contendo mensagens inspiradoras, comida orgânica gratuita, shows e espetáculos diários com grandes artistas no refeitório, festas temáticas semanais, um hotel interno para quem não quer dirigir de volta pra casa depois do serão, medicina preventiva baseada em sensores intracorporais e big data, além de uma demografia clara no recrutamento (só jovens bacanas e interessantes entram para O Círculo). É nessa empresa, que Eggers parece ter construído a partir de uma pesquisa sobre “onde as pessoas de 2014 gostariam de trabalhar”, que Annie arruma uma vaga para sua ex-colega da graduação.

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[o autor]

Mae começa por baixo, na área de atendimento ao cliente, e primeiro estranha a intensidade social dos funcionários do Círculo, que vivem o campus como se fosse o único lugar do mundo onde vale a pena estar. Mas, rapidamente, ela não só é seduzida pela vida no Círculo como engata uma trajetória de protagonismo pagando alguns preços que Eggers – mas não Mae – considera caros. Sua privacidade, sua relação com os pais, com a amiga Annie e com qualquer coisa que não seja a filosofa essencial dos Três Sábios, o board que preside O Círculo, tudo vai sendo deixado para trás em nome de um avanço radical em busca da transparência digital definitiva. O livro se desenrola na sua dupla função, de sátira e thriller. A meio caminho do final, um forte suspense tempera a divertidíssima crônica de costumes que cobre praticamente todos os exageros que viemos cometendo nos últimos 15 anos no uso indiscriminado e experimental do que quer que a indústria da tecnologia sacuda na nossa cara. Os ruídos de comunicação gerados pelo contato virtual, a carência emocional convertida dados de audiência pessoal, a autoexposição que busca soterrar angústias profundas, o reality show que pulou da TV pras nossas timelines – O Círculo de Eggers parece mais um catálogo das pequenas insanidades cotidianas da hipermodernidade.

Apesar de algumas forçadas de barra narrativas (bem sublinhadas por essa resenha do NYT) e da tradução para o português que não tem como dar conta da mania dos personagens de falarem discursando como se estivessem no TED Talks (algo que flui melhor em inglês), O Círculo tem o gigantesco mérito de expandir para uma audiência mais mainstream linhas de discussão que até então viviam restritas aos textos de especialistas como Jaron Lanier, Evgene Morozov e Douglas Rushkoff. O poder de influência das empresas de tecnologia sobre a sociedade via ferramentas e códigos culturais, sua tendência monopolista disfarçada de simpatia é quase amor, sua relação ambígua com Governos e políticas públicas, seu impulso de pedir transparência aos usuários enquanto trabalham sob uma redoma frequentemente opaca, nada disso interessa ao público médio na forma de ensaios político-culturais. Nesse sentido, O Círculo funciona como um cavalo de tróia – você está lá, se divertindo com as patuscadas de Mae Holland na prosa quase televisiva de Eggers e, quando percebe, sua mente foi inoculada com uma série de questionamentos absolutamente sérios e relevantes sobre onde fica o limite entre a disrupção tecnológica útil e a demência capitalista-digital que mascara emoções destrutivas com design minimalista e responsivo.

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Antes de escrever esse post, me perguntei se ele seria relevante no contexto brasileiro, uma vez que a história de O Círculo depende em parte de conhecermos um pouco do funcionamento do Vale do Silício. Mas então lembrei que há pouco tivemos uma novela das sete com a mesma temática; que revistas mainstream como Época Negócios, Exame PME e Veja tem destilado essa filosofia em suas páginas há anos; que a morte de Steve Jobs comoveu Luciana Gimenez; e que mesmo aqui, em Porto Alegre, empresários de todos os portes e idades parecem querer emular o jeito de fazer negócios (e de se exibir) de San Francisco. Onde houver uma empresa que pensou em colocar (ou colocou) um videogame na área do cafezinho pra se sentir mais moderna, a leitura de O Círculo se faz necessária.

Conforme escrevi nos posts Softer, Worser, Slower, Weaker e A Perigosa Cultura do Como Mudar o Mundo e Sua Vida, estamos passando por um momento de deslumbramento com práticas empresariais supostamente modernas mas que, muitas vezes, tem por trás as mesmas intenções e valores de sempre – crescer e conquistar território. O fato de que essas intenções hoje são mais facilmente disfarçadas com propósitos “sociais” e slogans “inspiradores” é algo que deveria nos incentivar a ter sempre um pé atrás e uma sobrancelha levantada com empreendedores hiperbólicos. Só assim descobrimos, por exemplo, que a narrativa da startup que nasce em uma garagem no Vale do Silício é, em geral, mais mito do que de verdade. E que muitos empresários da era digital podem ser considerados, como escreveu Fernand Alphen, “robber Barons modernos”, alcunha historicamente reservada a latifundiários inescrupulosos na Europa medieval ou a industriais vorazes nos Estados Unidos do século XIX. Só assim mantemos uma atitude saudável de nos perguntarmos, como fez a Bia Granja, se não devemos deixar de usar um app super popular e útil (e com uma aura suuuper moderna) devido aos valores questionáveis de seus criadores.

O Círculo é o livro que faltava pra condensar todas essas suspeitas em uma obra de apelop pop e que você pode levar embaixo do braço lembrando que uma empresa mercantilista e messiânica não deixa de ser mercantilista e messiânica só porque sua sede parece um café do Brooklyn e seu discurso corporativo soa como um vídeo de autoajuda. Tudo bem se você quer conquistar o mundo com suas ideias, seu dinheiro e sua energia. Mas, como bem resume um ditado popular, não vem me contar que eu não sou dinheiro.

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Outra coisa: de certa forma, achei que O Círculo é a versão século XXI de Microservos, romance de 1995 escrito por Douglas Coupland (o mesmo de Geração X). Microservos conta a história de um grupo de nerds hardcore com imensos talentos (e dificuldades de relacionamento do mesmo tamanho) que deixam a Microsoft para embarcar em um projeto semi-autoral. É bem mais emocional e poético do que O Círculo (ao estilo de Coupland), mas vale comparar os dois pra sentir o papel da tecnologia e seus personagens no meio da década de 90 (ainda marginais e desajeitados) e quase 20 anos depois (no centrão da cultura pop).

Microservos saiu no Brasil na época pela Nova Fronteira com uma capa idêntica à versão original (aí de cima) e é super difícil de achar, mesmo em sebos. Eu ainda tenho o meu. 🙂

Imagens: Be Nourished e Busty Teacher.

A ressaca do "faça o que você ama"

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Ao que tudo indica, a era do “Faça o que você ama. Ame o que você faz.” ou “Encontre algo que você ama fazer e nunca mais trabalhe.” está ganhando sua própria ressaca – ao menos como discurso clichê. Parte inegável de um pedaço da cultura contemporânea, esses mantras nasceram em nichos mais elitistas, cresceram ao ponto de se espalharem por matérias de grandes veículos e ganharam sua encarnação mais pop na figura de Steve Jobs. Mas… todo carnaval tem seu fim.

Recentemente, tenho visto circular uma série de textos que parecem querer denunciar a fragilidade da aplicação generalizada desse raciocínio. A Slate publicou um artigo de Miya Tokumitsu (traduzido pelo Papo de Homem)  dizendo: “A elite abraça o mantra Faça o que Você Ama. Mas isso desvaloriza o trabalho e machuca os trabalhadores.” O Pedro Burgos no OENE comentou o novo livro do Dave Eggers que, segundo ele, “imagina o que o futuro nos reserva se confiarmos nas utopias que nos vendem hoje.” Fê Neute, no Feliz com a Vida, diz que “Siga Sua Paixão Pode Ser um Conselho Furado.”, além de lembrar de “5 Motivos pelos Quais Você Não Deve Largar Seu Emprego para Viajar pelo Mundo.” Até a Fast Company, que vive incitando as pessoas a serem mais amalucadamente produtivas publicou um post com o título “6 motivos pelos quais você deve abraçar a procrastinação” (mas é meio falcatrua, porque é pra você ser mais produtivo, logo, não é procrastinação de verdade).

Toda onda cultural é refém de seus exageros e seguida de uma espécie de versão sua em negativo. Vai ver é isso o que o estudo Youth Mode identificou como sendo o tal do NORMCORE. Por essa lógica, é bem provável que em breve seja cool ter um trabalho comum, com carteira assinada, horário fixo e que você não goste tanto. O que, claro, nunca deixou de ser uma opção para a maior parte das pessoas, seja por inclinação ou porque é o que suas condições permitem.

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Leitura complementar.

Escrevi sobre esse assunto e suas redondezas nos seguintes posts.

Softer, Worser, Slower, Weaker: Steve Jobs e os clichês da liderança para inovação.

A busca pelo sentido no trabalho e as videocassetadas.

Frances Ha e a obsessão contemporânea por dar certo.

Por uma vida mais ordinária

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Foto: New Old Stock

Softer, worser, slower, weaker

Steve Jobs

Tudo bem. Tudo bem que o Brasil está vivendo uma época interessante, que faz convergir estabilidade econômica e transformações culturais. Tudo bem que estava na hora do espírito empreendedor declarado, esse derivado do mundo americano das start-ups, pipocar na mídia e nas conversas de mesa de bar. Tudo bem que faz bem,em certa medida, essa linguagem de metas, profissionalismo e eficiência. Mas eu espero sinceramente que essa onda comece a enfraquecer em 2013.

Não me leve a mal, não é que eu prefira um povo preguiçoso, acomodado e bagunçado. É que eu acho que andam nos aplicando um golpe nos últimos anos com todo esse papo de liderança, empreendedorismo, start-ups e coisas do tipo. A chegada de investimentos e escritórios de centenas de empresas americanas no Brasil nos últimos anos trouxe junto na bagagem, sem autorização da receita federal, a bíblia americana do fazer negócios. Um evangelho recheado de ideias interessantes e bem sucedidas, mas também de uma retórica chatíssima, repetitiva, e de uma mentalidade perigosa para a saúde mental do cidadão.

O expoente desse pensamento tem nome e sobrenome. Steve Jobs foi o gênio criativo dos negócios que fez a ponte entre os dois séculos nos quais viveu e também costurou num só tecido as mais diferentes culturas e estratos sociais no mundo todo. Foi na sua morte que essa segunda face mais pop apareceu. De repente, Jobs não era apenas o mártir de geeks e entrepreneurs mas figurinha de chiclete no bolso de trabalhadores de classes emergentes e sub-celebridades nacionais.

A face da filosofia de trabalho de Jobs mais visível e citada em geral são seu pendor intuitivo para entender os movimentos culturais da tecnologia e sua capacidade de articular diferentes linguagens para fazer acontecer. O que, no léxico mais popular, acaba reduzido a clichês abstratos como “inovação”, “liderança” e “convergência”. Menos comentado e menos conhecido é seu lado nervoso, ditatorial, obcecado, talvez doente. Sua índole “patrola”, que produziu não apenas produtos memoráveis e relevantes mas também talvez uma boa dose de aflição mental em quem trabalhava com ele. E é aí que eu quero chegar.

O lado obcecado, nervoso e intempestivo dos gênios é frequentemente usado por líderes não tão geniais assim para justificar comportamentos inapropriados, exagerados e insalubres. É essa maluquice de compor um ambiente de trabalho no qual pessoas dão o sangue pela empresa, trabalham doze horas por dia, perdem mais quatro em deslocamento, aguentam reuniões tensas, pressões inúteis, processos contraproducentes como se estivessem criando o próximo iPhone.

Mas em 99,9% dos casos elas não estão trabalhando no próximo iPhone, muito embora alguns líderes se transformem em simulacros de Jobs – e muitas vezes citam seus exemplos – pra tentar convencer suas equipes de que as bizarrices pelas quais passam no dia-a-dia valem a pena. E assim, muita gente acaba vivendo em versões reais do absurdo seriado The Office, com Michael Scotts que se acham Steve Jobs. Bom, essa é a essência dos Michael Scotts.

Lembra quando o Daft Punk cantava “Harder, Better, Faster, Stronger”? Pois então. Acho que isso é uma mentalidade do passado. A música foi lançada em 2001, deve ter sido composta no século anterior. Talvez seja hora de apostar em um mantra contrário, mais afinado com as necessidades contemporâneas: softer, worser, slower, weaker. O seu chefe não vai gostar, mas sua família, seus amigos, seu coração e sua sanidade vão.

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Desenho: meu mesmo.

P.S.: sim, “worser” não existe, é uma forçação.

O que diabos dizer mais de Steve Jobs

Pois é: foi a questão que me coloquei ontem no início da tarde, depois de todo mundo já ter escrito (quase) de tudo. Então, o que me saiu pra gravar um Minimalismo especial pra Oi FM foi o seguinte:

“A essa altura você já deve estar sabendo que o fundador da Apple, Steve Jobs, morreu ontem devido a complicações de um câncer no pâncreas. A morte de Jobs está sendo comentada intensamente em jornais, canais de tv, blogs e nas redes sociais e o motivo é muito simples: ao longo da sua trajetoria ele deixou de ser apenas um empreendedor visionário pra se tornar um ícone do nosso tempo. A figura dele se fundiu com as criações da Apple, que foram no fundo as grandes reponsáveis por transformar tecnologia em cultura pop. Com a morte de Steve Jobs não morre essa nova forma de enxergar tecnologia, que já se entranhou na nossa cultura e transcendeu os produtos da empresa californiana. O que vai embora, além do ser humano e do empresário, é uma certa idéia de que precisamos de uma figura central, masculina, iconoclasta e controversa pra dar uma chacoalhada nas coisas. Essa missão agora, talvez fique nas nossas mãos. E quem sabe assim Steve Jobs vai poder descansar mesmo em paz.”

A isso, gostaria de adicionar mais duas coisas que me ocorreram entre ontem e hoje.

1. Entre tantos conceitos, acho que o Steve Jobs encarnou bem a idéia de CURADORIA, tão cara à nossa época. Eu sei que a palavra anda meio desgastada, mas pelo que me consta, é a melhor forma de descrever o que ele fazia: juntar idéias inteligentes, porém desconexas, e as colocar em um contexto, em um sistema, dar um sentido. Daí o sucesso de produtos que em outras empresas ou situações haviam naufragado (é sabido que não foi a Apple que inventou o mp3 player, o mouse, o mp3 ou o tablet). Pelo que se fala do Jonathan Ive (VP de Design Industrial) e o Tim Cook (atual CEO), parece que Jobs também era um bom curador de equipes e não só de idéias.

2. É imprescindível, nesse momento, botar na balança alguns artigos que contrapōem a beatificação do Steve Jobs. Isso não vai impedir que as pessoas sedimentem uma idéia planificada sobre o cara, mas não custa dar uma espalhada nesse tipo de informação. Segue aí então, um post do blog trezentos colocando Jobs como inimigo da distribuição, um texto de 2009 do Umair Haque sobre o custo real de um iPod e um artigo crítico que saiu em agosto na Carta Capital.

 

Update: tem um texto também com esse viés feito pelo Matias: ser um bom homem de negócios não o torna um homem bom.

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PS: se você quer saber como seria Mad Men nos anos 80, leia o texto de Steve Hayden, redator da célebre campanha 1984, que lançou o primeiro Macintosh.

PS 2: Também recomendo o texto do meu vizinho Matias que dá uma geral sobre o significado de Jobs para a cultura.

PS3: Mais um interessante sobre a juventude de Jobs, do Financial Times.

Quer se dar bem em publicidade? Então NÃO tenha idéias.

É isso mesmo. Ao longo das últimas décadas, venderam o negócio da publicidade pra estudantes e novos profissionais como um lugar onde é obrigatório e fundamental ter idéias, boas idéias, muitas idéias. Bem, amigos, acho que é hora de mudar essa diretriz.

Após tanto tempo batendo nessa tecla, o resultado é que agora, efetivamente, os corredores, mesas e salas de reuniões de agências e produtoras das diversas especialidades do marketing estão ABARROTADAS de gente com idéias. Muitas idéias. Inclusive muitas boas idéias.

(Ok, o pessoal sempre também traz a prima das idéias, a “opinião”, mas isso é assunto pra outro post).

Você aí, que trabalha nesse meio: já participou de alguma reunião em que faltassem idéias? Duvido muito. Em toda reunião com mais de dois seres humanos, sempre saltam idéias, especialmente de pessoas pouco envolvidas com a questão. As reuniões são o nascedouro de muitas idéias. Uma pessoa tem uma idéia. As outras ficam em polvorosa e também querem ter as suas. Uma a uma, as idéias vão sendo geradas e preenchem a sala até o teto. Se não há um braço forte, nenhuma delas vê a luz do dia. Porque não existe registro na história da humanidade de qualquer idéia, por mais genial que seja, que tenha sido colocada em prática durante uma reunião. É depois, em outras condições de temperatura e pressão, que as idéias de fato acontecem.

Não bastasse isso, a internet ainda mostrou pro mundo como é comum ter idéias. E boas idéias. É um catatau de gente que hoje escreve, fotografa, desenha, programa e filma suas idéias. E depois posta em algum lugar. E conta para os amigos, e os amigos dos amigos, e os amigos dos amigos dos amigos, que teve essas idéias. Algumas modestas. Outras bacaninhas. Mas umas quantas muito, muito legais. Em uma média que rivaliza com a maior parte das agências de publicidade, que investem milhões de dólares em profissionais e estruturas criados pra ter… idéias.

Ter idéias, queiramos ou não, já não é mais diferencial pra ninguém. É preciso ser muito cínico ou preso ao passado pra não aceitar essa nova realidade. E, como reza uma antiga regra econômica, a abundância de um elemento gera automaticamente a carência do seu oposto correspondente. No caso das idéias, qual seria o oposto correspondente? Não, não é o pensamento burocrático e clichê, mas a capacidade de botar idéias em prática. A abundância de gente tendo idéias está gerando uma grave carência de gente disposta a ouvir e ajudar a levar adiante a idéia de outras pessoas. Se não na área de software livre e nos coletivos artísticos, ao menos em publicidade, isso parece estar acontecendo.

Tudo bem. Eu sou o primeiro a defender o atual modelo de criador-produtor, do cara que tem idéia e coloca a mão na massa pra vê-la nascer. Mas também faço questão de levantar a voz contra o desequilíbrio ecológico que está acontecendo no famoso “campo das idéias”. Nada me tira da cabeça que, hoje, se dar bem no mundo da comunicação não quer mais dizer ser uma pessoa cheia de boas idéias, mas está mais relacionado a ser capaz de ajudar a botar de pé as idéias dos outros. Ou, para irmos mais longe na hierarquia, construir e gerir estruturas nas quais boas idéias sejam levadas adiante.

Eu não sou nenhum guru do markerting, nem ganho rios de dinheiro ou montei alguma hotshop super cotada de forma que possa comprovar na prática minha tese. Mas mesmo assim, tenho minhas experiências práticas e tambémacho que não custa nada perguntar: você acha mesmo que o Steve Jobs criou e desenhou o iPad?