A receita do Queens of The Stone Age pro rock fazer sentido em 2014

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A morte do rock já foi cantada e decantada e, pra mim, é ponto pacífico. O rock entrou no século 21 agonizante e não sobreviveu aos ventos da mudança. Foi substituído sem solenidade como vetor cultural significativo da juventude, que vem adotando outras formas de identificação e empoderamento bem mais a ver com o ambiente em que vivem. Pop global à base de hip hop + dance music, games, seriados, startups, redes sociais, apps, objetos de fun design produzidos na China, subculturas locais, cozinhar!! Qualquer outra coisa é mais pulsante do que um estilo que já se virou do avesso pelo menos umas cinco vezes.

Se nos seus países de origem, Estados Unidos e Inglaterra, é assim, imagine então no hemisfério sul, onde o rock e seus derivados comportamentais sempre foram um estrangeirismo inoculado pelo tráfico de informação das elites – muitas vezes de forma bem intencionada e gerando híbridos interessantíssimos, mas ainda assim um estrangeirismo. Com a população dos países emergentes se contorcendo em busca de uma identidade que faça jus a um novo protagonismo de classes antes relegadas ao mero papel de audiência, não é de se estranhar que o rock hoje vá se encaminhando, no mundo todo, para uma posição parecida com a do jazz, reservado a clubes e nichos nas suas melhores expressões e a pastiches mainstream nas piores.

E é aí que entra o Queens of The Stone Age, a banda que conseguiu construir a ponte entre o mainstream e o nicho com uma contribuição musical que se pensava impossível a essa altura do campeonato. Seu sexto disco, …Like a Clockwork, base do show que fizeram no último sábado em Porto Alegre, é uma demonstração prática da possibilidade de ainda se lançar música que esteja alinhada historicamente com o que se conhece por “rock” mas conectada a expressões culturais mais contemporâneas – como os já citados hip hop, dance music, startups, games, seriados e subculturas locais. O que, no caso do Queens, não é nenhuma novidade: para ouvidos atentos, a banda nasceu em 1996 já habitando o século 21. Desde o início, a intenção de seu líder Josh Homme foi fugir do clichê macho do rock setentista de espantar as minas da pista com um som que oferece apenas agressividade. A repetição da dance music e os falsetes da disco estiveram presentes já nos primeiros acordes de vida, quebrando a linhagem grunge do ruído antipático aos quadris e antecipando a cantoria melódica do rock dos anos 00, que viria a emergir na sua forma mais conhecida primeiramente com as operetas indie do Radiohead e depois com o Strokes. A música do Queens sempre foi sexy sem ser molenga e sempre foi firme sem ser totalmente pentelha. Mesmo no álbum mais esquisitinho, Era Vulgaris, havia aqui e ali um gancho para que o ouvinte incauto pudesse se segurar.

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Agora, mais do que nunca, o Queens estende seus tentáculos e se liga ao presente via conexões inusitadas: como o hip hop, sobrevive de batidas, recortes, riffs fatiados e vocalistas convidados; como a dance music, busca o transe induzido da repetição e do ritmo; do universo dos games vem um poderoso imaginário gráfico à base de animação e da própria figura dos músicos; dos seriados, quem sabe, a noção de temporadas e de narrativa, já que cada disco demora pra sair e é envolvido em seu próprio drama de bastidores (um integrante demitido, um que cai fora, outro que morre, celebridades convidadas, etc); das startups, o recrutamento minucioso dos parceiros certos, a capacidade de se reconstruir depois de cada álbum; no quesito subcultura locais, o Queens é mestre pois Josh Homme até hoje comenta como tenta ainda reviver o astral da cena das generator parties, da qual fez parte no deserto californiano dos anos 90. Em resumo, o Queens é uma banda que, em termos musicais, soube deixar pra trás o pendor destrutivo de seus predecessores para abraçar a cultura cumulativa do século que recém começa. Ele não detona, ele empilha. Se não há espaço, ele recorta e cola, muitas vezes em ângulos inusitados.

Estamos vivendo uma década bizarra, na qual brotam califados versados em comunicação digtial, epidemias de doenças apocalípticas e tecnologias avançadíssimas que parecem aprofundar crises tanto quanto oferecem soluções. Quem precisa de música niilista nos fones quando todo o resto ao redor está ruindo? O Queens é uma banda que, apesar de não parecer, oferece segurança em tempos caóticos. Sábado passado, em Porto Alegre, cerca de cinco mil pessoas puderam testemunhar o poder de uma jukebox ciborgue de execução precisa porém emocionalmente intensa, que engaja um público certamente não iniciado nos meandros musicais que alimentam a banda mas que nem por isso se sente excluído ou empurrado para longe. O rock que interessa no novo século não vem para destruir ou para bloquear mas para permitir a fruição. Chega de search & destroy, bem-vindo ao rock do search & enjoy.

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Foto: Matador Records

8 comentários em “A receita do Queens of The Stone Age pro rock fazer sentido em 2014

  1. Cara, amei seu texto. Comecei a ler meio desconfiado, por conta desse apelo ao “fim do rock”, mas no final você esclareceu uma parada muito bonita da positividade e do “contar história” que é o estado de graça da arte.

    Eu gosto do Nirvana pelo senso de humor deles, por exemplo; acho que o negativismo pelo qual eles ficaram rotulados não representa a real do que era. O Kurt disse em mais de uma entrevista, que queria fazer um troço tipo “The Rose”, da Bette Midler:

    O resto é conversa =) abração Mini!

  2. Cara, amei seu texto. Comecei a ler meio desconfiado, por conta desse apelo ao “fim do rock”, mas no final você esclareceu uma parada muito bonita da positividade e do “contar história” que é o estado de graça da arte.

    Eu gosto do Nirvana pelo senso de humor deles, por exemplo; acho que o negativismo pelo qual eles ficaram rotulados não representa a real do que era. O Kurt disse em mais de uma entrevista, que queria fazer um troço tipo “The Rose”, da Bette Midler:

    O resto é conversa =) abração Mini!

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