O Círculo: talvez o livro mais importante de 2014

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O ano já se encaminha para o final, mas ainda dá tempo: O Círculo, romance de Dave Eggers que narra a ascensão de uma funcionária exemplar na empresa de tecnologia mais criativa do mundo, pode ser lido sem pressa em poucos dias, digamos, entre o Natal e o Ano Novo. Não que sua atualidade tenha data de validade tão curta ( o livro é de 2013!), mas defendo que este livro, mesmo com seus pequenos defeitos literários, talvez seja um importante marco na cultura contemporânea. O que Eggers fez não é pouco – ele escreveu a fábula definitiva que encerra um período de ingenuidade sobre o que o universo simbólico do Vale do Silício tem a oferecer para o mundo. Quanto antes passarmos isso a limpo, melhor.

A história de Mae Holland, personagem principal do romance, é facilmente reconhecível mesmo por quem não acompanha o noticiário especializado de tecnologia. Recém formada e enfiada em uma repartição pública do interior da Califórnia, Mae é resgatada de sua vidinha ordinária por uma ex-colega de faculdade que lhe devia alguma fidelidade. A dívida é paga com juros. Annie, a amiga socialmente bem posicionada de Mae, faz parte da elite do Círculo, o Google do universo criado por Eggers, que revolucionou a vida online unificando todos os perfis e identidades virtuais no TruYou, “uma conta, uma identidade, uma senha, um sistema de pagamento por pessoa” no qual se usa “seu nome verdadeiro, que está vinculado a seus cartões de crédito, seu banco”, ou seja, “um botão para o resto da sua vida online”. A sede do Círculo, situado em uma cidade fictícia próxima a San Francisco, é tudo aquilo que Mae – e boa parte dos jovens hoje – quer de um ambiente de trabalho: uma Shangri-la moderna, com calçadas pavimentadas com pedras contendo mensagens inspiradoras, comida orgânica gratuita, shows e espetáculos diários com grandes artistas no refeitório, festas temáticas semanais, um hotel interno para quem não quer dirigir de volta pra casa depois do serão, medicina preventiva baseada em sensores intracorporais e big data, além de uma demografia clara no recrutamento (só jovens bacanas e interessantes entram para O Círculo). É nessa empresa, que Eggers parece ter construído a partir de uma pesquisa sobre “onde as pessoas de 2014 gostariam de trabalhar”, que Annie arruma uma vaga para sua ex-colega da graduação.

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[o autor]

Mae começa por baixo, na área de atendimento ao cliente, e primeiro estranha a intensidade social dos funcionários do Círculo, que vivem o campus como se fosse o único lugar do mundo onde vale a pena estar. Mas, rapidamente, ela não só é seduzida pela vida no Círculo como engata uma trajetória de protagonismo pagando alguns preços que Eggers – mas não Mae – considera caros. Sua privacidade, sua relação com os pais, com a amiga Annie e com qualquer coisa que não seja a filosofa essencial dos Três Sábios, o board que preside O Círculo, tudo vai sendo deixado para trás em nome de um avanço radical em busca da transparência digital definitiva. O livro se desenrola na sua dupla função, de sátira e thriller. A meio caminho do final, um forte suspense tempera a divertidíssima crônica de costumes que cobre praticamente todos os exageros que viemos cometendo nos últimos 15 anos no uso indiscriminado e experimental do que quer que a indústria da tecnologia sacuda na nossa cara. Os ruídos de comunicação gerados pelo contato virtual, a carência emocional convertida dados de audiência pessoal, a autoexposição que busca soterrar angústias profundas, o reality show que pulou da TV pras nossas timelines – O Círculo de Eggers parece mais um catálogo das pequenas insanidades cotidianas da hipermodernidade.

Apesar de algumas forçadas de barra narrativas (bem sublinhadas por essa resenha do NYT) e da tradução para o português que não tem como dar conta da mania dos personagens de falarem discursando como se estivessem no TED Talks (algo que flui melhor em inglês), O Círculo tem o gigantesco mérito de expandir para uma audiência mais mainstream linhas de discussão que até então viviam restritas aos textos de especialistas como Jaron Lanier, Evgene Morozov e Douglas Rushkoff. O poder de influência das empresas de tecnologia sobre a sociedade via ferramentas e códigos culturais, sua tendência monopolista disfarçada de simpatia é quase amor, sua relação ambígua com Governos e políticas públicas, seu impulso de pedir transparência aos usuários enquanto trabalham sob uma redoma frequentemente opaca, nada disso interessa ao público médio na forma de ensaios político-culturais. Nesse sentido, O Círculo funciona como um cavalo de tróia – você está lá, se divertindo com as patuscadas de Mae Holland na prosa quase televisiva de Eggers e, quando percebe, sua mente foi inoculada com uma série de questionamentos absolutamente sérios e relevantes sobre onde fica o limite entre a disrupção tecnológica útil e a demência capitalista-digital que mascara emoções destrutivas com design minimalista e responsivo.

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Antes de escrever esse post, me perguntei se ele seria relevante no contexto brasileiro, uma vez que a história de O Círculo depende em parte de conhecermos um pouco do funcionamento do Vale do Silício. Mas então lembrei que há pouco tivemos uma novela das sete com a mesma temática; que revistas mainstream como Época Negócios, Exame PME e Veja tem destilado essa filosofia em suas páginas há anos; que a morte de Steve Jobs comoveu Luciana Gimenez; e que mesmo aqui, em Porto Alegre, empresários de todos os portes e idades parecem querer emular o jeito de fazer negócios (e de se exibir) de San Francisco. Onde houver uma empresa que pensou em colocar (ou colocou) um videogame na área do cafezinho pra se sentir mais moderna, a leitura de O Círculo se faz necessária.

Conforme escrevi nos posts Softer, Worser, Slower, Weaker e A Perigosa Cultura do Como Mudar o Mundo e Sua Vida, estamos passando por um momento de deslumbramento com práticas empresariais supostamente modernas mas que, muitas vezes, tem por trás as mesmas intenções e valores de sempre – crescer e conquistar território. O fato de que essas intenções hoje são mais facilmente disfarçadas com propósitos “sociais” e slogans “inspiradores” é algo que deveria nos incentivar a ter sempre um pé atrás e uma sobrancelha levantada com empreendedores hiperbólicos. Só assim descobrimos, por exemplo, que a narrativa da startup que nasce em uma garagem no Vale do Silício é, em geral, mais mito do que de verdade. E que muitos empresários da era digital podem ser considerados, como escreveu Fernand Alphen, “robber Barons modernos”, alcunha historicamente reservada a latifundiários inescrupulosos na Europa medieval ou a industriais vorazes nos Estados Unidos do século XIX. Só assim mantemos uma atitude saudável de nos perguntarmos, como fez a Bia Granja, se não devemos deixar de usar um app super popular e útil (e com uma aura suuuper moderna) devido aos valores questionáveis de seus criadores.

O Círculo é o livro que faltava pra condensar todas essas suspeitas em uma obra de apelop pop e que você pode levar embaixo do braço lembrando que uma empresa mercantilista e messiânica não deixa de ser mercantilista e messiânica só porque sua sede parece um café do Brooklyn e seu discurso corporativo soa como um vídeo de autoajuda. Tudo bem se você quer conquistar o mundo com suas ideias, seu dinheiro e sua energia. Mas, como bem resume um ditado popular, não vem me contar que eu não sou dinheiro.

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Outra coisa: de certa forma, achei que O Círculo é a versão século XXI de Microservos, romance de 1995 escrito por Douglas Coupland (o mesmo de Geração X). Microservos conta a história de um grupo de nerds hardcore com imensos talentos (e dificuldades de relacionamento do mesmo tamanho) que deixam a Microsoft para embarcar em um projeto semi-autoral. É bem mais emocional e poético do que O Círculo (ao estilo de Coupland), mas vale comparar os dois pra sentir o papel da tecnologia e seus personagens no meio da década de 90 (ainda marginais e desajeitados) e quase 20 anos depois (no centrão da cultura pop).

Microservos saiu no Brasil na época pela Nova Fronteira com uma capa idêntica à versão original (aí de cima) e é super difícil de achar, mesmo em sebos. Eu ainda tenho o meu. 🙂

Imagens: Be Nourished e Busty Teacher.

O que diabos dizer mais de Steve Jobs

Pois é: foi a questão que me coloquei ontem no início da tarde, depois de todo mundo já ter escrito (quase) de tudo. Então, o que me saiu pra gravar um Minimalismo especial pra Oi FM foi o seguinte:

“A essa altura você já deve estar sabendo que o fundador da Apple, Steve Jobs, morreu ontem devido a complicações de um câncer no pâncreas. A morte de Jobs está sendo comentada intensamente em jornais, canais de tv, blogs e nas redes sociais e o motivo é muito simples: ao longo da sua trajetoria ele deixou de ser apenas um empreendedor visionário pra se tornar um ícone do nosso tempo. A figura dele se fundiu com as criações da Apple, que foram no fundo as grandes reponsáveis por transformar tecnologia em cultura pop. Com a morte de Steve Jobs não morre essa nova forma de enxergar tecnologia, que já se entranhou na nossa cultura e transcendeu os produtos da empresa californiana. O que vai embora, além do ser humano e do empresário, é uma certa idéia de que precisamos de uma figura central, masculina, iconoclasta e controversa pra dar uma chacoalhada nas coisas. Essa missão agora, talvez fique nas nossas mãos. E quem sabe assim Steve Jobs vai poder descansar mesmo em paz.”

A isso, gostaria de adicionar mais duas coisas que me ocorreram entre ontem e hoje.

1. Entre tantos conceitos, acho que o Steve Jobs encarnou bem a idéia de CURADORIA, tão cara à nossa época. Eu sei que a palavra anda meio desgastada, mas pelo que me consta, é a melhor forma de descrever o que ele fazia: juntar idéias inteligentes, porém desconexas, e as colocar em um contexto, em um sistema, dar um sentido. Daí o sucesso de produtos que em outras empresas ou situações haviam naufragado (é sabido que não foi a Apple que inventou o mp3 player, o mouse, o mp3 ou o tablet). Pelo que se fala do Jonathan Ive (VP de Design Industrial) e o Tim Cook (atual CEO), parece que Jobs também era um bom curador de equipes e não só de idéias.

2. É imprescindível, nesse momento, botar na balança alguns artigos que contrapōem a beatificação do Steve Jobs. Isso não vai impedir que as pessoas sedimentem uma idéia planificada sobre o cara, mas não custa dar uma espalhada nesse tipo de informação. Segue aí então, um post do blog trezentos colocando Jobs como inimigo da distribuição, um texto de 2009 do Umair Haque sobre o custo real de um iPod e um artigo crítico que saiu em agosto na Carta Capital.

 

Update: tem um texto também com esse viés feito pelo Matias: ser um bom homem de negócios não o torna um homem bom.

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PS: se você quer saber como seria Mad Men nos anos 80, leia o texto de Steve Hayden, redator da célebre campanha 1984, que lançou o primeiro Macintosh.

PS 2: Também recomendo o texto do meu vizinho Matias que dá uma geral sobre o significado de Jobs para a cultura.

PS3: Mais um interessante sobre a juventude de Jobs, do Financial Times.

Eles não se entendem

Eu não tenho números aqui, mas acho que todo mundo vai concordar que não existiu outra época na trajetória da humanidade com tantas tecnologias surgindo num espaço tão curto de tempo. Ao menos não tecnologias que se espalhassem com tamanha rapidez pra mão dos grande público e não ficassem restritas a círculos científicos ou determinadas regiões do globo.

Em outras palavras: tá tudo uma loucura né?

Esse fenômeno criou um momento histórico de grandes inovações mas também de um sentimento de ansiedade coletiva por conta do grande número de linguagens tecnológicas que não simplesmente não se conversam. Sim, é a era da conectividade, a era da integração, mas também é a era dos cabos inúteis, dos drivers bipolares, dos técnicos que não resolvem, dos especialistas que tomam bola nas costas de hardware, do discurso dos empreendedores de tecnologia que dificilmente bate com a experiência cotidiana do usuário médio.

A batata quente do diálogo entre os aparelhos que temos em casa está sendo passada de mão em mão e sempre acaba queimando os dedos de quem menos entende do assunto. E dê-lhe cabo pra ligar o laptop na TV, que fica obsoleto quando você muda de laptop; e dê-lhe gaveta de cabos pra conectar o celular com o laptop porque o Bluetooth não funciona direito; e dê-lhe chamada de técnico doméstico pra fazer um simples roteador aceitar a conexão dos computadores da casa; e dê-lhe suor pra transferir dados pra um celular novo; e por aí vai. Isso não é justo com usuários cuja relação com a maior parte dos eletrodomésticos nos últimos 40 anos se resumiu a botões de liga e desliga e um cabo de força.

Às vezes, parece que vai chegar um dia em que todas as tecnologias vão fazer sentido juntas. É o que nos vendem por aí, mas geralmente essa idéia depende de vocês ter TODOS os aparelhos da sua casa da mesma marca (quá quá quá) e mesmo assim não sabemos se o diálogo vai acontecer de fato. Talvez a marca dos nossos tempos seja mesmo viver em um ecossistema tecnológico fragmentado que exige conhecimento específico e intervenção constante.

E não me venham com papinho Apple nos comentários, que o mundo não vai ficar indo atrás do Steve Jobs pra tudo e meu Macbook já me aprontou algumas bem feias.

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Foto: daqui.

publicidade é o preço que as empresas pagam por não serem originais

Chegou no sábado e a minha cabeça já estava virada num porongo. Não que os horários fossem puxados. É possível acompanhar boa parte do festival fazendo um horário tipo das 10h às 18h. Mas a quantidade de conteúdo que eu absorvi ao longo de cada dia começou a transbordar pelas orelhas na reta final. Esse é um dos motivos pelos quais eu resolvi escrever diariamente aqui: é uma forma de dar uma filtrada e uma organizada nos pensamentos, assim as coisas fazem algum sentido (não todo) e talvez sejam úteis no fim das contas. Porque não dianta nada voltar de um festival como esses com, uma lista de cases de referência, meia dúzia de idéias espalhadas pela mente e nenhum tipo de reflexão mais profunda.
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Ao longo das próximas semanas, eu vou organizar o material que levantei e determinar algumas linhas de pensamento para adaptar o vi em Cannes para a nossa realidade – brasileira e gaúcha. Não tenho bem certeza a extensão do que vou poder liberar aqui no blog tão cedo, mas acredito que depois de algumas palestras e artigos com os quais estou comprometido, é bem provável que eu divida isso com vocês.

Mas vamos a um rápido resumo do último dia….
O meu sábado começou na palestra da Avenua A Razorfish, uma das agências digitais mais em evidência no momento, aliás comprada pela Microsoft (companhia de tecnologia comprando agência, veja você…). O trabalho apresentado pelo Joe Crump, VP de Estratégia da Razorfish, é mais uma das infindáveis formas de explicar o cenário da comunicação digital, com um detalhe a mais: em vez de colocar o ponto de vista da forma como pessoas e marcas estão se comunicando, o conceito Digital Darwinism foca nos genes específicos que fazem de certas marcas um sucesso no mundo digital. Nem vou perder tempo escrevendo aqui porque o Joe Crump liberou a presentation no Slideshare. É essa que está aí em cima, bom proveito.

Um do momentos mais interessantes da palestra foi quando Crump sugeriu que os publicitários deveriam pensar mais como designer de produtos, aquele velho papo de colaborar mais dentro da estrutura das companhias que atendem, citando uma frase maravilhosa: “publicidade é o preço que as empresas pagam por não serem originais”.

Isso me lembrou os comerciais que lançaram o iPhone no ano passado: um produto tão inovador que não precisava nem de um roteiro ou uma produção mirabolante. A big idea era o produto. Ponto.


Na sequência, um fulano da Apple (não anotei o nome e tou com preguiça de ir atrás) fez um dos semináros mais curiosos, porque metade foi usado pra apresentação da visão da marca da maçã a respeito da comunicação na era digital e a outra metade…. o cara passou vendendo o sistema operacional do Mac, bem como os recursos do iLife. Parecia um vendendor de carro. Ele simplesmente abriu um álbum de fotos, começou a explicar as facilidades do iPhoto, do iWeb, do Keynote, do Numbers, iTunes, do iMovie, e ia montando toda uma página de web com os programas da Apple são fáceis e intuitivos (e são mesmo os desgraçados). No início eu achei de uma cara de pau absurda, parecia um vendedor de loja, mas umas seis horas depois me caiu a ficha… pode até não ter sido intencional, mas o que o fulano deixou claro é o seguinte: rapaziada, se segurem nas cadeiras porque com uma maquininha dessas qualquer um é uma usina de comunicação e mesmo que não vá roubar nossas contas, já está roubando a atenção das pessoas que antes estavam exclusivamente assistindo aos nossos comerciais e aos filmes de Hollywood. Sei que isso não é novidade mas eu nunca vi alguém pegar um computador e mostrar na frente de algumas centenas de publicitários de forma tão didática por que a vida de quem trabalha com comunicação ficou mais difícil – ou mais interessante.

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O resto da tarde, me dediquei a dar uma olhada nos Future Lions escolhidos pela Akqa (dê uma passeada e confira por aqui que tipo de coisa vai se fazer daqui alguns anos) e nos Titanium. Assistir ao Titanium é uma experiência única e fantástica, porque todo o resto do festival (anúncios, comerciais, spots de rádio, outdoor) perde uma boa parte da graça. É como aquelas eleições de carro do ano: quem quer saber do freio do ano, do motor do ano, do retrovisor do ano? O povo quer saber qualé o carro do ano!

Havia muita coisa boa e inspiradora no shortlist, mas três ressalvas podem ser feitas. Primeiro que depois do The Hire em 2002 e do Nike Plus em 2007, provavelmente vai demorar algum tempo pra aparecer algo tão breakthrough em Cannes de novo. É o ciclo natural das coisas. Então você assistia um case bom atrás do outro, mas também não via nada que revolucionasse tanto o jeito como se comunica marcas da forma como se deu nesses dois exemplos citados.

A segunda ressalva é que havia muitas inscrições em que não se via um porquê de ser Titanium. E a idéia do Titanium é essa: uma ação, uma idéia que revolucione o jeito como a publicidade anda. O que se via muito eram campanhas integradas ou sacadas interessantes, dois aspectos que não são o suficiente pra descrever um The Hire e um Nike Plus.

A terceira ressalva é que, ao menos na minha opinião, os cases que tinham uma causa maior por trás eram os mais interessantes. Não que a idéia de levar um pub da Austrália para a Inglaterra não tenha me surpreendido e divertido. Não que eu seja impermeável à incrível materialização do universo do Halo 3. Mas é que quando você vê cases como esses abaixo, a coisa bate mais fundo. Esses são os meus três vencedores com Titanium esse ano:

Let Us Do It
O bonito dessa campanha é que, além dela ter ido além da campanha, ela proporcionou uma experiência real para as pessoas que estavam envolvidas nela. Ao fazer um anúncio, muitas vezes nos mantemos distanciados do assunto porque é uma relação mais rápida. Mas o envolvimento em um projeto desse porte aumenta consideravelmente o contato da agência com o assunto. O que certamente deve provocar transformações interessantes. E esse, pra mim, é o aspecto mais interessante de trabalhar em publicidade, você ser transformado pelas experiências que vive.
Life Collection
Uma linda forma de materializar uma doação. Idéia simples que não só ajuda a campanha como faz pensar a respeito das coisas que compramos. Até que ponto elas são necessárias e até que ponto trazem imbuídas nelas a satisfação que a gente procura. Invejei!

Pra fechar a banquinha, o GP de Filme do Ano do júri é o meu também. Esse comercial parece uma bobagem mas ele é muito inteligente. Como diz o livro da Go Viral, nunca se falou tanto em Cadbury nos últimos quinze anos na Inglaterra, e isso porque o comercial oferece vários níveis de absorção: você pode se perguntar se o gorila é de verdade, se o Phil Collins está dentro da fantasia, se isso tem a ver com chocolate, porque essa música, por que um gorila, e enquanto isso seu cérebro absorve uma imagem primal de prazer. Fora isso, os caras ainda tiveram a manha de usar uma música brega equilibrando ela em cima do muro, entre o sarcasmo e a confissão. Incrível.

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Bom, estou chegando em Londres, de onde devo mandar mais algumas novidades e talvez um últimpo post com um rescaldo de pequenas anotações que ficaram pra trás ao longo da semana.

Simplicidade – parte dois

O capítulo 2 é o segundo predileto do livro porque fala de um assunto que eu adoro: organização. O título do capítulo já é uma beleza: “Organização: faz muita coisa parecer pouca coisa.” Não é lindo?

O cerne do capítulo, no entanto, não é nada sobre arrumação de armários e mesas, mas sim a trajetória da “rodinha de controle” do iPod (sempre ele…), essa da imagem aí em cima. O ponto do Maedovski aqui é que a primeira rodinha era assim “mais ou menos”, mas resolvia. Um controle simplificado, de compreensão não muito difícil, bastava o cara se acostumar com o lance e pronto. Porém, talvez o lobby das pessoas com dedos gordos tenha agido e os designers da Apple tiraram os controles da rodinha e jogaram pra fora. O que era pra simplificar acabou complicando porque desintegrou a experiência intuitiva do dedão. O dedão antes circulava tranqüilo, resolvendo seus problemas de “ir pra frente” ou “ir pra trás” só na rodinha e de repente se viu obrigado a SAIR da rodinha e subir até os controles SEPARADOS. É muita mão!!!!

Finalmente, a Apple sossegou o facho e chegou ao controle atual, que parece não ter tido grandes reclamações – simplificou tudo, jogou tudo pra dentro da rodinha (sem leituras maldosas) e voalá! Temos agora (temos não porque eu não tenho iPod) um controle integrado, com todas as funções numa rodinha sem separações – desculpe pelo uso excessivo de termos técnicos.

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Eu tenho uma dica para os engenheiros da Apple.

E é de graça, aproveitem.

Sentaí e fica quieto!

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E por aí segue o livro, trazendo inúmeros exemplos de design industrial e da indústria da computação pra provar ponto a ponto a visão do Maeda sobre simplicidade. Em cada capítulo você encontra dois ou três insights bem valiosos, mas meio que precisam ser descontextualizados e recontextualizados pra valer a pena.

Por quê? Porque não tem nada de simples na maior parte dos exemplos. Ok, a interface do Google e do iPod são incrível e bem-vindamente simples. Mas olha toda a complicação que existe para essas coisas serem simples! Basicamente, para termos à disposição a interface do Google e a interface do iPod, você precisa ter à mão um Estados Unidos e uma China.

foto daqui

Isso não quer dizer que o Maeda não tenha consciência das coisas. Outro capítulo interessante é o de nome “Algumas coisas nunca podem ser simples”, onde ele faz um bonito mea culpa aceitando que nem todo mundo gosta de minimalismo como ele. Para exemplificar, fala de suas filhas, que costumam escrever EU TE AMO PAPAI num email cheio de letras coloridas, enormes, fontes misturadas e imagens. Toda teoria minimalista cai por terra por uma declaração de amor bem colorida e cheia de enfeites. “A simplicidade pode ser feia” diz o Maeda. “Uma certa dose de MAIS é sempre melhor do que MENOS. Mais amor, mais cuidado, mais ações significativas.”

Snif.

Passei a leitura toda me lembrando de um outro livro: “O Lama e o Economista – Diálogos sobre Budismo, Economia e Ecologia” onde o Lama Padma Samtem debate com o economista Victor Caruso Jr. O Lama Samtem, que costuma advogar a simplicidade como base para o caminho espiritual, aqui traduz sua visão ao oferecer saídas econômicas para o brete em que nos metemos todos hoje em dia.

“Em vez de maximizar os números da economia, seria maximizada a satisfação em um sentido mais profundo, e os números da economia seriam literalmente reduzidos. Hà vantagens em reduzir esses índices: a redução do impacto ambiental é uma delas. A tendência seria associar a simplicidade com a maximização da satisfação, e assim melhorar a saúde, a lucidez mental, o equilíbrio, o acesso à informação e à previdência. Seria ampliada a capacidade de apoio social às maias diversas necessidades e seriam beneficiados os processo em que as pessoas interagissem positivamente.”

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Sentaí e fica quieto!!

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Quer ouvir algo bem interessante sobre isso? Dá um pulo no podcast do Dzongsar Khyentse Rinpoche. “Zen, Sitting”. Em inglês.

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Esse assunto é complexo. Porque dá margem pra muita distorção. Porque o cara pode querer se livrar de tudo na vida externamente, jogar coisas fora, botar o pé na estrada, procurar uma casinha em cima do morro, plantar alface, e achar que está simplificando. Mas a simplificação pode significar fuga também, e aí tem problema. Porque uma hora tudo que não foi resolvido pode voltar. E se o cara é apegado DEMAIS à simplicidade externa, vai ficar nervoso. Não saber conviver com a complexidade é o maior inimigo da simplicidade.

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Ontem eu tava vendo House e lá pelas tantas ele, pra variar, sendo ácido com alguém. Não me lembro exatamente da fala, mas era algo assim.

“Não é fácil.”
“Eu não disse que era fácil, eu disse que era simples”.

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Chega de complicação!

Tá aqui o blog do Maeda.
Aqui tem uma entrevista bem interessante.
Aqui um link pra comprar o livro dele.
E esse aqui é pra comprar o livro do Lama Samtem.

TCHAU!

ATÉ SEGUNDA-FEIRA.

Mobilidade

Há algum tempo eu desprezaria textos como o abaixo porque na real quase ninguém tem dinheiro para comprar isso no Brasil. Mas hoje lembro que há cerca de 4 anos, meu ex-chefe chegou todo feliz pois havia comprado um DVD “de barbada” por 900 reais de um amigo e eu pensei “Nunca vou ter um DVD”. Anos depois, comprei o meu DVD por 500 e hoje é possível adquiri-lo por 10 vezes de 25 reais na véspera de natal, uma combinação explosiva mesmo para famílias que tenham sua renda de tipo dois ou três salários mínimos. Ou seja, daqui um tempo o descrito abaixo vai ser uma realidade como a TV em praticamente todos os lares ou como os quase 88 milhões de celulares nas mãos de brasileiro (obviamente cerca de 70 milhões são pré-pagos). Então vale sempre prestar atenção nas novas relações sociais e mesmo pessoais que surgem com novos equipamentos:

“Levado a um novo lugar por uma TV na palma da mão
David Carr – NYT

Na noite da última terça-feira, eu entrei na fila para pegar o ônibus para voltar para casa. Mais à frente na fila eu viu uma vizinha -uma mulher inteligente e engraçada com quem eu adoraria dividir a desagradável viagem.

Mas me esquivei, correndo para o fundo do ônibus porque a primeira temporada da série de mistério e aventura “Lost” estava aguardando no meu iPod. Claire estava prestes a dar à luz e John Locke, o sábio da série, vinha agindo de forma estranha. A série portátil significava que minha volta para casa, que eu sempre odiava com a força de 10 mil sóis, tinha se tornado um momento um pouco dedicado a mim mesmo.Muito se falou de quão idiota era a Apple acreditar que pessoas assistiriam televisão em uma tela de 2,5 polegadas. Mas os consumidores fizeram o download de três milhões de programas de vídeo no iTunes desde que o novo video iPod chegou ao mercado em outubro. Como isto é possível?O novo iPod é um meio viciante por si só. Suas limitações -a experiência de assistir que exige fone de ouvido e uma tela handheld- criam um grau de intimidade que remonta a infância da televisão, quando o objeto luminoso era tão maravilhoso que estimulava uma fantasia silenciosa.Você agora assiste cores vistosas e imagens nítidas traduzidas em miniatura. A capacidade de realizar o download de programação da minha escolha me dá uma nova espécie de privacidade, recuperação de tempo, um terceiro local virtual entre o frenesi do local de trabalho e o lar cheio de atividade.

Mas eu me sinto um pouco sujo. Como uma pessoa do meio editorial, eu sempre achei que jornais e revistas eram a mídia portátil suprema -eu até mesmo aprendi uma forma particular de dobrar o jornal para lê-lo sem perturbar meu companheiro de assento no metrô ao virar a página. E se estou vivendo em um pequeno mundo próprio, isto não está colaborando para minha conexão com o mundo à minha volta.Muitas vezes no trem ou no ônibus, antes do novo iPod, eu repassava coisas em minha cabeça – realmente pensando em vez do processamento de dados que faço ao longo do dia e da noite. Minha viagem no transporte coletivo se transformou de uma parte do dia comunal e ocasionalmente meditativa a um momento em que olho para um controle remoto de televisão que por acaso contém uma imagem inserida nele.Ainda assim, eu faço a troca. “Lost” sempre soou como uma série que eu gostaria, mas como pai de três com um emprego que exige longas horas e uma doa dose de transporte coletivo, assistir programação de TV em uma hora determinada nunca funcionava. O trem “Lost” partiu sem que eu conseguisse embarcar.Com o novo iPod, eu pude começar do início da série e a assistir “Lost” quando quisesse. Cada episódio dura em média 44 minutos, cerca da duração da minha viagem. Assistir “Lost” no ônibus ao lado de um homem gordo comendo amendoim é uma experiência profundamente satisfatória. Adeus gordo comendo amendoim. Olá Claire e John Locke. (É um bônus o homem não conseguir ver a imagem de lado, por mais que tente.)

Assim é como terminamos sozinhos juntos. Nós compartilhamos o espaço do café, mas estamos todos concentrados em nossos laptops com conexão sem fio. O metrô é uma sinfonia de silêncio de fones de ouvido enquanto a viagem da família se tornou um momento para as crianças assistirem DVD no banco traseiro da minivan. O papo do cafezinho, o nexo de conversa sobre o programa da noite anterior, poderá silenciar à medida que criamos ambientes de mídia personalizados, díspares.Ao descartar a chance de sentar ao lado da minha vizinha no ônibus, eu perdi toda sorte de fofocas e intrigas. E aquela revista “New Yorker” na minha bolsa, com o artigo sobre a criação de Osama Bin Laden? Ela ainda está lá, assim como o novo livro de Joan Didion, “The Year of Magical Thinking”. Assim como aqueles mp3 dos Concretes que baixei tão empolgadamente quando comprei o iPod há um mês.Há outros reveses para o vídeo portátil, personalizado. “Lost” é um programa com uma subtrama cheia de pistas visuais que não são perceptíveis em um iPod, e uma hora e meia de duração de bateria parece precisamente projetada para frustrar quem quer assistir a um filme. Mas como aparelho para assistir a um único episódio de uma série, sitcom ou novela, o video iPod parece concebido sob medida.Eu realmente assisto muito pouca televisão em casa. Entre os telefonemas, tanto em aparelho fixo e celular, lição de casa das crianças e outras necessidades, e uma conexão sem fio de banda larga que me mantém ligado ao trabalho, a TV freqüentemente acaba se tornando uma peça silenciosa da mobília.

O iPod, por outro lado, é carregado, programado e usado quase que diariamente. Eu perdi minha parada do ônibus porque o video iPod é uma experiência altamente envolvente. O ato de espiar para uma pequena tela handheld com fone de ouvido exclui o restante do mundo – ainda mais do que a experiência de escutar música.Eu sou uma anomalia, um maluco superestimulado e trabalhando em excesso necessitando de alívio digital olhando para uma curiosidade? A Apple não pensa assim. Lembre que a loja iTunes da empresa começou em 2003 com apenas 200 mil músicas e agora conta com mais de 2 milhões, e os consumidores já realizaram 500 milhões de downloads a 99 centavos de dólar cada.Há cinco programas da rede “ABC”, ou de sua dona, a Disney, disponíveis pela Apple. E a “NBC Universal” seguiu oferecendo 11 séries novas e clássicas -incluindo “Law & Order” e “The Office”- para download. (Há também 2 mil videoclipes disponíveis, mas eu tenho um pouco de consciência sobre ficar sentado no ônibus com Shakira girando na palma da minha mão.)Ainda assim, que tipo de idiota pagaria por programas que são exibidos gratuitamente? Eu estou pagando a chamada taxa de conveniência.

Eu poderia ir ao BitTorrent ou algum outro onde conteúdo de vídeo está disponível para quem quiser, mas não estou interessado nas piruetas morais e tecnológicas exigidas para obter programação gratuita -eu acho que o termo técnico, legal, é “roubada”- para meu iPod. Em vez disso, eu me tornei um presente que é dado continuamente à Apple. A empresa tem meu cartão de crédito e continuarei gastando US$ 1,99 por episódio para descobrir o que acontecerá na segunda temporada de “Lost”. Quando ela terminar, eu provavelmente darei uma chance para “Monk”.A Apple está trabalhando na próxima versão do iPod, que poderá envolver a ampliação da largura do aparelho vertical, para uma imagem horizontal, maior. E agora que já há um precedente -a Apple convenceu as emissoras a abandonarem um modelo de negócios de meio século- a oferta de programas apenas aumentará.Até lá, me procure no ônibus. Só não tente conversar comigo.”

Não sou exatamente um tecnófilo, mas lá vai. Esses dias estava conversando com uma pessoa e era bem o tipo de primeira questão que surge com um novo aparelho: quem vai querer ver coisas desse tamanho? Quem vai querer andar por aí com seus seriados? Alguém além dos mal acostumados americanos? Bom, novamente lembro dos celulares e de como no mundo todo eles transformaram qualquer lugar, da rua a um restaurante, em uma cabine telefônica sem paredes.

Em alguns anos muitas das questões técnicas estarão resolvidas ou nós estaremos acostumados a novos formatos. Quem reclama hoje em dia que as capas de CD são muito pequenas? Em breve não haverá nem mesmo mais capas de CDs. A grande maioria dos jovens se relaciona com a parte visual da míusica através dos clips ou dos telões nos shows, das fotos nas revistas, etc. A capa, é provável, vai deixar de ter este papel (sem trocadilhos). Da mesma forma, os vídeos portáteis vão encontrar seu espaço e seu meio de uso, com todas as implicações que isso tem.

Outra. Que os portáteis isolam, sabemos desde o surgimento do walkman e não há muito por que lutar com isso. Mais uma vez: o isolamento e a criação de mundos paralelos não foram inventados pela mobilidade. Qualquer um que já tenha se refugiado em seus devaneios durante uma reunião chatíssima sabe disso. A imaginação continua sendo o portátil mais eficiente, discreto e polivalente e fãs de quadrinhos ou livros devem concordar que não há algo que coloque você MAIS dentro de uma bolha do que uma boa leitura.

Ou seja, assim como a mobilidade não criou os mundos internos, a tecnologia não inventou a mobilidade. Outro dia, ouvi uma pesquisadora se mostrar abisamada com a possibilidade dos garotos levarem vídeos pornô para o banheiro no tal iPod vídeo e na hora a primeira coisa que me ocorreu foi “Ei, isso sempre foi feito com revistas, não é algo tão maluco assim, só muda a mídia e talvez a qualidade da, er… diversão”.

Minha principal experiência com tecnologia móvel é um Creative Zen de 5GB e, rapaz, realmente muda sua relação com música ter tanto conteúdo disponível num lugar tão pequeno. O mero fato de viajar e circular sem um trambolho que é (ou que virou na minha concepção) o discman e o case de CDs já faz a diferença. Além do que, dá menos vontade de ir à loja de CDs e mais vontade de ter um site decente do qual baixar bons discos oficialmente. Ano passado, isso era tudo novidade, mas agora já começamos a ver mp3 players nos camelôs – estes que infelizmente fazem o papel de inserir as novidades tecnológicas nas mãos da galera por aqui.

Outra rápida experiência de mobilidade: por 3 semanas fui dono de um Palm III antigo junto com um tecladinho GoType, que convertia o Palm numa mini-máquiina de escrever – não digo laptop porque o Palm IIIé tão antigo que só servia mesmo pra escrever – e sem acentos. A princípio, a idéia de poder escrever onde eu bem entendesse, como na beira da piscina de um sítio, como fiz, pareceu tentadora e libertadora. Por outro lado, depois que perdi algumas horas na beira da piscina escrevendo, mudei um pouco de idéia. A mobilidade às vezes pode prender você, porque você não fica esperando mais para escrever quando estiver à frente do seu desktop. Falo por mim, mas quantas pessoas não acabam fazendo MAIS coisas por conta da mobilidade? Enfim, isso tudo leva um novo jeito de enxergar as coisas.